Todos os valores de uma jóia: meu Manifesto.
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Todos os valores de uma jóia: meu Manifesto.

Atualizado: 10 de jun. de 2020

Poucos profissionais são tão exigidos a justificar a sua arte como os joalheiros.


Vista como a epítome da ostentação, ao lado de carros de luxo e iates, a jóia é muitas vezes relacionada como símbolo da burguesia insensível, madames arrogantes, realezas distantes. Com acumulação de riquezas, divisor de classes sociais, supervalorização de materiais e até com a exploração de escravidão humana. E os ourives, como profissionais especializadíssimos na arte do inútil. É fato que a joalheria sofre, sim, de todos esses males. Sofre, não: lucra com eles. Explorando o desejo irracional, a escassez fabricada, a exclusividade excludente, a mão-de-obra barata e o impacto humano e ambiental na extração de gemas e metais.


Fica difícil defender. Mas, e sempre tem um mas, existem tipos diferentes de joalheria. Origens diferentes, com significados diferentes, com impactos e valores diferentes.


Existem jóias feitas em grandes e renomadas casas tradicionais, existem jóias produzidas em massa em fábricas insalubres de países em desenvolvimento, existem jóias confeccionadas uma a uma artesanalmente pelo próprio artista que as criou. Há materiais raríssimos com preços baixos e materiais comuns com preços altos. Há jóias que expressam opiniões políticas, e outras que apenas adornam. Há pedras com longo histórico de mortes e violência, e outras recolhidas de maneira sustentável e socialmente consciente. E entre todos esses extremos, há milhares de graduações na maneira de se fazer, nas origens, e nos materiais. E tudo bem.


"Mas o que é uma jóia?" Se você colocar 100 pessoas em uma sala, vai ter 100 explicações diferentes.


Para mim, Priscilla, ourives-designer-professora-curiosa-faz-tudo:


A jóia é um adorno corporal, feito com a intenção de durabilidade, beleza, e significado.

Note-se que eu disse intenção, até porque a durabilidade não significa eternidade, a beleza é um conceito pessoal, e o significado varia com quem faz, quem vê, quem usa e como usa.


"E como justificar o fazer de jóias?"


O ato de se adornar é tão antigo quanto a própria humanidade. Dizem alguns estudiosos que, ao colocar a primeira pena na cabeça, ao passar a primeira concha em um cordão e pendurar no pescoço, aquele ser se entendeu como indivíduo, diferente de todos os outros da tribo. E se tornou humano. Nesse momento, o adorno deixa de ser um objeto e passa a ser um símbolo. A conter um significado, relevante para a pessoa que o veste. E é isso que a jóia é: um adorno, um símbolo. Ela pode ser usada para simbolizar pertencimento a um grupo, para expressar um ponto de vista de quem a usa, para celebrar marcos importantes na vida daquela pessoa, realizações pessoais. Esse é o valor de significado. Diferente do valor instrínseco de uma jóia, que inclui aí o valor de mercado do metal e das pedras utilizadas. Veja que esse valor é flutuante, e está muito distante do preço praticado nas lojas. Além disso, a jóia tem mais dois valores que estão ligados entre si: o valor de herança, e o valor histórico. Uma jóia, por todos os seus valores, tende a ser bem-cuidada, preservada, e com isso ela potencialmente sobrevive a gerações, às vezes séculos. Com isso, ela é testemunha do passar do tempo e pode conter informações valiosíssimas sobre aquele povo que a fez, os hábitos de quem a vestiu e os lugares pelos quais ela passou. E o valor de herança é o valor afetivo, da memória de uma família, de lembranças deixadas por pessoas que já se foram.


Essa é a experiência que tenho tido com meus clientes. As jóias são sempre envoltas em uma névoa de afeto. Um pingente dado a uma amiga que passava por um momento difícil. Um anel para comemorar 65 anos de casamento. Um anel de formatura. Uma aliança para um pedido de casamento em uma viagem há muito planejada. Um bracelete para uma mulher se sentir poderosa. Além de tudo isso, tem o prazer de fazer. O potencial de criação, de tirar uma idéia do éter e colocar em forma física. O exercício da criatividade. A mágica que existe em usar um maçarico a quase 1000C para transmutar o metal. A tradição de fazer o mesmo processo feito por outros ourives há séculos. O empoderamento feminino que existe em invadir uma profissão tão exclusivamente masculina. A satisfação em procurar respostas no conhecimento acumulado, e transmitir esse conhecimento a outros. E saber que, quando o meu período nessa terra terminar, uma parte minha vai permanecer na forma das jóias que eu fiz.


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